O setor farmacêutico no Brasil

O setor farmacêutico no Brasil é composto por um número muito maior de empresas nacionais que transnacionais.

As grandes empresas do setor vêm encontrando novas formas de manter os remédios genéricos sob dificuldades. Reguladores europeus e norte-americanos estão investigando se os vendedores de remédios considerados caros conspiraram para atrasar o lançamento de rivais genéricos baratos. Uma das estratégias desenvolvidas pelos executivos do setor farmacêutico é fazer acordos em processos movidos pelas empresas de medicamentos genéricos, pagando para que elas atrasem o lançamento de remédios baratos. 

Outra atitude é lançar as versões genéricas dos seus próprios remédios, anulando, assim, os seis meses de monopólio dado a primeira fabricante genérica a receber a aprovação para a sua versão de medicamento. Muitos dos grandes produtos da indústria farmacêutica logo perderão suas patentes. A consultoria Deloitte estima que a indústria perderá US$ 55 bilhões com o vencimento de patentes em 2009 e, a partir de então, terá que enfrentar a competição. 

O setor farmacêutico no Brasil é composto por um número muito maior de empresas nacionais que transnacionais, mas o faturamento total das transnacionais é, aproximadamente, três vezes maior do que o faturamento das nacionais. Assim como em outros setores da economia, os agentes geradores desse panorama são históricos e podem ser estudados por diferentes aspectos. Um desses aspectos é o nível de pesquisa e desenvolvimento tecnológico (P&D) das empresas que, por estarem diretamente ligados à capacidade produtiva e ao lançamento de novos produtos, são de alto valor estratégico. 

Os estudos realizados anteriormente na cadeia produtiva do setor farmacêutico no Brasil indicam que as transnacionais concentram a maior parte de P&D em seus países de origem, deslocando a parte de produção e comercialização dos produtos para outros países. Essa tendência é constatada até mesmo quando as empresas transnacionais dão a localização de seus centros de pesquisa em seu material de divulgação, como por exemplo, em páginas da internet. 

Medidas governamentais de implementação e estímulo para atividades de P&D no país podem ser adotadas de maneira mais eficaz a partir de um melhor entendimento da intensidade do esforço tecnológico que as empresas do setor farmacêutico realizam. Por essa razão, dez empresas foram escolhidas para o estudo mais detalhado e a entrevista. Os fatores em comum entre elas são a origem do capital, nacional, e o fato de terem apresentado em seu material de divulgação menção destacada à pesquisa pela empresa.

Considerando que uma parte importante da pesquisa em medicamentos é realizada na fase da produção da matéria-prima, duas empresas farmoquímicas, três fitoterápicas e uma de origem biotecnológica foram avaliadas, além das quatro farmacêuticas. Para as farmacêuticas, com o intuito de facilitar a interpretação dos resultados, as principais atividades tecnológicas realizadas pelas empresas são citadas em ordem crescente de acordo com o grau de sofisticação exigido. As atividades são:
  • (A) Produção de similares;
  • (B) Produção de genéricos; 
  • (C) Síntese química;
  • (D) Inovações incrementais.
Duas empresas farmacêuticas caracterizaram-se por realizar as quatro atividades (A-D). São as empresas de maior faturamento (R$ 300 e 400 milhões) e, aproximadamente, a mesma porcentagem de investimento em P&D (1,5%). As inovações incrementais, o ponto mais forte dessas empresas, as coloca em destaque com relação às outras empresas. Estas inovações foram basicamente resultantes de combinações inteligentes de medicamentos, mudança em adjuvantes e estruturais em moléculas já conhecidas que ocasionaram melhorias no desempenho do medicamento. 

Uma terceira empresa farmacêutica, que embora tenha declarado um investimento de 19% em P&D e o faturamento de R$ 3 milhões, não apresentou inovações incrementais em seus produtos, atendo-se às atividades A e C. Pode-se dizer que apesar do grande empenho investido na capacidade de síntese química desta empresa, os resultados em termos de inovação são modestos, especialmente se a compararmos com as duas empresas citadas anteriormente. A quarta empresa farmacêutica, com faturamento maior que a terceira (R$ 144 milhões) e sem declarar o investimento em P&D, mostrou-se a mais frágil tecnologicamente, realizando apenas a atividade de produção de similares (A).

As duas empresas farmoquímicas apresentaram discrepância na dimensão tecnológica. Uma delas possui alto coeficiente de exportação, material humano qualificado (dois mestres e três doutores), sintetiza 100% dos seus produtos e parte para associação com uma empresa americana que pretende desenvolver moléculas novas (que poderíamos classificar na categoria de inovações radicais). A segunda empresa, que embora tenha um faturamento três vezes maior que a primeira exporta apenas 3% dos seus produtos, possui somente um funcionário com mestrado e sintetiza 70% dos produtos.

Quanto às três fitoterápicas avaliadas, destacam-se dois fatores comuns: o volume de pesquisas realizadas nas empresas é nulo e muitas pesquisas clínicas são realizadas em convênio com universidades, especialmente para atender às novas normas de legislação da ANVISA. Apenas uma delas possui uma pesquisa em convênio com uma universidade que foge dos estudos clínicos e tem por objetivo a clonagem de plantas para maior padronização da matéria-prima. A produção de extratos de plantas é totalmente terceirizada em uma empresa e parcialmente terceirizada nas outras duas empresas. 

A empresa de biotecnologia avaliada é a única no país que se propõe a montar um banco de extratos de plantas originárias de florestas brasileiras e a extrair princípios ativos que posteriormente, depois de testes (inúmeros), poderão tornar-se moléculas aplicadas na produção de medicamentos. Por apresentar uma proposta diferenciada, onde os riscos envolvidos são muitos, conseguiu avançar financeiramente por meio de um contrato com uma grande multinacional, mas atualmente passa dificuldades em conseguir novos contratos. Posteriormente à realização da entrevista, esta empresa conseguiu uma participação acionária de um grande grupo privado nacional, por uma quantia que diversas fontes classificam como muito inflacionada.

O setor farmacêutico, desde o seu estabelecimento na Europa, na metade do século XIX, até os dias atuais, é um dos setores industriais que mais se sustenta com base em pesquisa e desenvolvimento (P&D) tecnológico (Achilladelis e Antonakis, 2001). Pelas características inerentes à produção de medicamentos, pode-se identificar quatro estágios da cadeia farmacêutica (Queiroz e González, 2001):
  • 1° estágio - P&D de novos princípios ativos, também chamados de fármacos. É o estágio que mais envolve riscos de insucesso e necessita altos investimentos. Divide-se em fase pré-clínica e clínica. Estas fases serão abordadas com maiores detalhes na Seção 3.1;
  • 2° estágio - Produção em escala de fármacos;
  • 3° estágio - Produção de medicamentos - fase em que os fármacos são misturados aos adjuvantes e embalados;
  • 4° estágio - Introdução dos medicamentos no mercado.
Acompanhando as fases da cadeia de produção, compreende-se que a indústria farmoquímica, responsável pela matéria-prima necessária à formulação de medicamentos, está ligada à indústria farmacêutica de forma bastante intrínseca. A indústria farmacêutica brasileira ocupa, atualmente, a décima posição mundial dentre os países com maior faturamento no setor (Frenkel, 2002), sendo os EUA, Japão e Alemanha, os três primeiros. O faturamento brasileiro apontado para o ano de 2000 foi de US$ 6,7 bilhões e para 2001 foi de US$ 5,6 bilhões (Sindusfarma, 2002), uma variação que está relacionada à oscilação cambial do período. Sempre que ocorre uma desvalorização importante da moeda nacional, os fabricantes têm alguma dificuldade de repasse integral imediato, e absorvem uma parcela deste impacto.

 Mara Pinto – FINEP* (Opinião e Notícia)


 

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