'Capital anjo' ganha espaço no Brasil; veja como buscar um investidor

Além de colocar dinheiro, o 'investidor anjo' dá conselhos ao empreendedor.
Especialistas dão dicas para quem busca o tipo de investimento.

Mais difundido nos Estados Unidos e na Europa, o conceito de “capital anjo” ganha, aos poucos, maior espaço no Brasil. Associações vêm sendo criadas nos últimos anos no país para fomentar a modalidade de investimento, onde o investidor, geralmente um executivo experiente, aposta em empresas em fase de criação, colocando capital, tempo e conhecimento no negócio.
Atrair um "anjo" como esse à empresa nascente, contudo, exige do empreendedor uma ideia inovadora e um projeto sólido, indicam especialistas ouvidos pelo G1, que dão dicas para quem busca o tipo de investimento.
“A primeira dica é entender bem o que é o investimento anjo, buscar informações a respeito”, sugere Antonio Botelho, coordenador da Gávea Angels. A associação privada sem fins lucrativos diz ser primeiro grupo de investidores anjo do Brasil e da América Latina. Recebe propostas de empreendedores em busca de um “anjo” desde 2003. Os trabalhos, contudo, foram reduzidos em 2008, por conta da crise econômica, e retomados com mais força em 2010. Hoje, é formada por 27 associados, ou seja, 27 investidores em buca de bons projetos.
Botelho, que é investidor anjo, explica que o principal diferencial do “capital anjo” é justamente o papel do investidor no negócio, que vai muito além da simples entrada com o dinheiro. “Ele investe na empresa em estado inicial. Traz expertise tecnológica ou científica, faz acompanhamento muito direto, reuniões periodicamente, mas sem tirar o papel do empreendedor”, explica.
Nos Estados Unidos e na Europa, o especialista estima a existência de algumas centenas de redes de fomento ao tipo de investimento. No Brasil, contudo, elas ainda começam a se formar.

Negócios inovadores

Toda a dedicação dos investidores, contudo, ocorre em busca de um bom retorno no futuro, explica Botelho. “O investidor anjo busca negócios inovadores, com crescimento rápido, potencial de valorização e possibilidade de saída, essa saída pode ser uma recompra pelo próprio empreendedor, ou vender para uma concorrente, para uma empresa maior, ou, ainda levar a empresa até a bolsa, o que é mais difícil”, afirma.

De acordo com Elcio Morelli, diretor de seleção de projetos da São Paulo Anjos, que tem cerca de 50 associados e promove o tipo de investimento no estado desde 2008, apesar de não existir um prazo definido, a sociedade entre o empreendedor e o investidor costuma durar de cinco a sete anos. “Depois desse período, espera-se desfazer esse casamento, desinvestir e realizar o lucro”, diz.

Os investimentos costumam ter o teto de R$ 1 milhão a R$ 1,5 milhão, mas os valores médios giram em torno de R$ 250 a R$ 700 mil. O dinheiro geralmente é investido por mais de uma pessoa, ou seja, um grupo de investidores aposta na ideia e cada um coloca uma parte. “O grupo é bom tanto para o investidor como o para o investido. Para o investidor porque pode buscar áreas mais diversas e reduzir riscos. E para o empreendedor, que vai receber ajuda muito mais diversificada”, explica Botelho.
Os especialistas dizem, ainda, que muitos projetos aprovados são da área da tecnologia porque o setor costuma ser mais propício a inovações, mas que não há nenhuma restrição de área e o que vale é o potencial do negócio.

Grupos de investidores
Para terem seus projetos aprovados, os empreendedores precisam submeter a ideia aos grupos de investidores, que se formam por meio de redes, como a São Paulo Anjos e a Gávea Angels.

O ideal é procurar uma rede próxima ao local da empresa, tendo em vista que, quando formada uma parceria, os contatos com os sócios costumam ser constantes, geralmente em reuniões semanais. Na Gávea Angels, por exemplo, a proposta é que as empresas estejam a até 200 quilômetros do centro a cidade do Rio de Janeiro.
“O empreendedor tem que submeter o projeto, é feito uma pré-analise inicial, tem que ter requisitos mínimos. Aí, a gente compartilha com os investidores da rede, e os que têm interesse se manifestam”, diz Cassio Spina, fundador da Anjos do Brasil, rede criada em São Paulo em julho de 2011, e autor do livro "Investidor Anjo, guia prático - como obter recursos para o seu negócio".

Contato

O empreendedor Apolo Lira fechou neste ano acordo um grupo de cinco investidores anjo para sua empresa, a Easy Food, que desenvolve soluções para cantinas escolares. Um dos produtos criados foi um cartão que pode ser usados pelos alunos na compra de alimentos na cantina. O pai controla os gastos diários e até o que o filho pode comprar.
O projeto piloto teve início há três anos. Antes de buscar um investidor, Lira disse que foram 12 meses de desenvolvimento. “Numa madrugada, decidimos e enviamos [o projeto] para duas ou três redes (...). Passaram-se uns 40 dias e a Gávea Angels selecionou a gente para o primeiro contato”, afirma.

Muitos encontros e reuniões depois, o empreendedor e seus outros dois sócios (o pai Rogério Lira e Rafael Aredes) comemoram a conquista dos "anjos". “Temos cinco profissionais investidores que vão nos ajudar com um conhecimento que o empreendedor sozinho não teria”, afirma Lira.
O empresário Hélio Freitas também conseguiu um investidor anjo para a TWT Digital, criadora do Zoemob, um serviço de proteção familiar para smartphones e tablets, por meio de monitoramento via satélite. “É uma aplicação voltada para pais e filhos, para que o pai tenha segurança de saber onde o filho está. É mais para alertar o pai”, explica.

No caso de Freitas, ele e seu sócio, Daniel Avizu, fecharam sociedade com só um investidor (o que não é tão comum), Spina, da Anjos do Brasil. “Ele passa a ser sócio da empresa, mas não é só uma pessoa que coloca dinheiro e a gente não é só quem recebe. A gente se reúne semanalmente. (...) A experiência e network de um investidor é fundamental. No investidor anjo, mais importante do que o dinheiro é a capacidade dele de ajudar a crescer”, explica.

A empresa começou a operar em julho de 2011 e possui o produto em português, inglês e coreano, e deve começar a operar em espanhol. “A gente já tem 70% dos nossos usuários fora do Brasil”, diz. Em cerca de seis meses, a base de clientes passou de 5 mil para quase 160 mil.
SeleçãoDe acordo com as associações que recebem as propostas dos empreendedores, a peneira de seleção é bem fina. Na Gávea Angels, por exemplo, dos cerca de 400 projetos recebidos, apenas 15 foram selecionados para serem apresentados aos investidores em 2011. Desses, negociações foram iniciadas com seis e apenas dois - o projeto de Lira e mais um - foram fechados. Um terceiro está em negociação no momento.
Na São Paulo Anjos, são cerca de 70 projetos enviados ao mês, aproximadamente 800 por ano. Em 2011, 80 foram selecionados para entrevistas e 35 enviados para fóruns.

Para Morelli, da São Paulo Anjos, um dos motivos para a maioria dos projetos não ser aprovada é o próprio desconhecimento dos empresários em relação ao valor do negócio. “Os empreendedores têm uma visão de que o projeto tem muita estrutura e daqui a pouco vai ser vendido por não sei quantos milhões (...). A primeira grande mensagem é que o empreendedor precisa reavaliar as informações que circulam na mídia, eles ficam com essas informações na cabeça e trazem valores fora da realidade”, avalia.

De acordo com ele, saber o valor do negócio e o quanto está disposto a vender dele é essencial. “Uma hora ele [o empreendedor] tem que dizer o quanto está disposto a vender da empresa e por quanto (...). Depois, é uma decisão do investidor de investir no projeto ou não”, diz.

Apesar de o investimento anjo ainda não ser muito difundido no país, em 1990 os sócios Marcel Malczewski e Wolney Betiol já estavam de olho nesse segmento. Eles criaram Bematech, empresa da área de tecnologia para o varejo, após conseguir o apoio de seis investidores. Hoje, a companhia é negociada na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e tem um valor de mercado de aproximadamente R$ 218 milhões, de acordo com valores do fechamento da terça-feira (24) na bolsa paulista.
A probabilidade de encantar o investidor aumenta bastante quando ele percebe que não está diante de uma simples aventura, mas de uma grande oportunidade"
Marcel Malczewski, presidente do conselho da Bematech
De acordo com Malczewski, que é o atual presidente do conselho da Bematech, os sócios pensaram, na época, no investimento convencional, mas, como estavam começando, não tinham as garantias exigidas por uma instituição financeira. “O conceito de investidor anjo ainda nem era conhecido no país quando nos deparamos com um grupo de empresários disposto a investir na área de tecnologia”, diz.

O empresário conta que, além de viabilizarem o negócio financeiramente, os sócios participaram ativamente da gestão e estruturaram o início da empresa. “Eles contribuíram com conhecimento, experiência, introduziram as primeiras práticas de governança corporativa e trouxeram uma visão mais pragmática, com foco na geração de valor”, relata.

Até o nome da empresa foi influência dos anjos, revela Malczewski. “Era para ser apenas Bematec, mas um investidor tinha conhecimento holístico e apresentou um estudo que sugeria o uso do ‘h’ no final da palavra”. Atualmente, os investidores tornaram-se acionistas e dois ainda fazem parte do conselho de administração.

Em momentos de crise econômica, onde é ainda mais difícil conseguir investimento, Malczewski sugere aos empreendedores ser importante, em primeiro lugar, convencer a si próprio sobre o potencial de sucesso do negócio. “Em seguida, é preciso ter a capacidade de transmitir isso verdadeiramente, porém de forma estruturada, com planejamento. A probabilidade de encantar o investidor aumenta bastante quando ele percebe que não está diante de uma simples aventura, mas de uma grande oportunidade”, diz.

 Fonte G1



 

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