O grupo econômico na Lei nº 13.467/2017



Se alguém compra um terreno e manda construir ali um prédio com muitas salas, elevadores, computadores, armários, ar condicionado, mesas, cadeiras, telefones, estoques, matéria-prima, pessoal burocrático, para o fim de instalar o seu negócio, não pode dizer ainda que tem ali a sua empresa. Empresa não é isso. A empresa é uma abstração. O prédio, o maquinário, a tecnologia, os empregados, os aportes de dinheiro, o estoque de matérias-primas, a frota de carros, nada disso é ainda empresa. Somente quando o empresário reúne todos esses fatores de produção e os organiza de modo a produzir para o mercado e satisfazer necessidades alheias é que terá propriamente uma empresa. Para o direito, portanto, empresa é a atividade do empresário. Essa empresa, porém, não existe fisicamente. É uma “realidade imaginada”[1]. É essa “empresa” — isto é, essa atividade — quem, de acordo com o art.2º da CLT, contrata, assalaria e dirige a prestação pessoal do serviço. Para o direito do trabalho, portanto, quem emprega o trabalhador não é a pessoa física dos sócios empresários, mas essa atividade, essa empresa. É só por isso que os arts.10 e 448 da CLT dizem que a alteração da estrutura jurídica da empresa não modifica o contrato de trabalho e não afeta o direito dos empregados. O que se quer dizer com isso é que mesmo que a empresa mude de estrutura, de sócios ou de lugar, nada disso modifica o direito dos empregados porque a atividade organizada continua respondendo por suas obrigações trabalhistas. A responsabilidade de uma empresa para com os direitos dos empregados é relativamente fácil de entender. Se ela causou um prejuízo, que pague. A coisa se complica quando entra na discussão a figura do grupo econômico. Aqui, já não se está mais diante de um empregado e seu patrão direto — diga-se lá: uma empresa —, mas de um empregado e um grupo de empresas a quem o empregado quer atribuir alguma responsabilidade pelos seus direitos no fim do contrato de trabalho, e que deixaram de ser pagos por uma dessas empresas que compõem esse grupo, na medida em que foi esse grupo quem tirou proveito da organização produtiva de cada empresa que o compõe.
O §2° do art.2º da CLT, com a redação da recente Lei nº 13.467/2017, diz que


... sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego”.
O que aí se estabelece é o grupo econômico vertical, isto é, aquele em que uma empresa controla a atividade da outra. Note-se que a lei define como grupo aquela situação de fato onde uma empresa está sob direção, controle ou administração de outra, ainda que a empresa controlada guarde certa autonomia em relação a outras ou à própria controladora.
Se todas as empresas são completamente autônomas umas em relação às outras, não se estará diante de grupo econômico vertical porque para isso, como foi dito, a lei exige algum grau de controle. Mas o dia a dia do foro acabou construindo um outro tipo de grupo em que essa relação de domínio ou controle não é tão simétrica. Casos há que, embora uma empresa não tenha a direção, o controle ou a administração de outra ou outras, todas concorrem na mesma cadeia produtiva causal. Um exemplo talvez exemplifique melhor. Imagine-se que uma empresa produza molho de tomates. A matéria-prima do produto que entrega ao mercado é, obviamente, tomates. Além de industrializar o tomate para transformá-lo em molho, essa empresa precisa armazená-lo em condições técnicas e higiênicas adequadas, embalá-lo e transportá-lo até os pontos de venda. Essa empresa pode simplesmente limitar-se a industrializar o tomate que compra dos produtores no campo e delegar todo o resto da sua atividade industrial a outras empresas com as quais não tenha nenhuma ligação estrutural exceto a que decorre dos contratos comerciais que faz para armazenamento, embalagem e transporte do produto pronto. Mas pode decidir que em vez de pagar a terceiros para o transporte do tomate do campo até suas máquinas e para o acondicionamento e a embalagem e de novo para o transporte do molho industrializado até os pontos de venda constituirá empresas cujas únicas finalidades sejam transporte de tomates em frotas próprias, acondicionamento em silos ou tanques térmicos e embalagem. Se se limitar a produzir suco de tomate e deixar todo o resto aos cuidados de outras empresas com as quais tenham ligação meramente contratual, não haverá grupo econômico porque cada empresa manterá sua individualidade e se ocupará da sua própria atividade. Mas, se decidir constituir várias empresas menores que se ocupem de diversas etapas do processo produtivo e integrem a sua cadeia causal e concorram com a sua parte na obtenção de um fim comum, estará então formado o grupo econômico por derivação, ou grupo econômico horizontal. Nesse caso, ainda que cada uma dessas empresas conserve a sua individualidade e nenhuma se sobreponha à outra por direção, controle ou administração, o fato de integrar e compor a mesma cadeia produtiva da empresa principal atrai a responsabilidade de todas as conglomeradas. A dívida de uma passa a ser a dívida de todas, assim como os lucros de uma são presumivelmente divididos com todas. É esse o espírito do grupo econômico.
Já de algum tempo, parte da doutrina trabalhista vem admitindo a existência de um outro tipo de grupo econômico que não tem, convenhamos, nenhuma base legal. Para essa corrente, a simples presença de sócios comuns ou de pessoas ligadas por qualquer grau de parentesco a sócios de duas ou mais empresas basta para atrair a responsabilidade presumida do “grupo econômico”. Assim, se o sócio de uma sociedade empresária devedora integrar como sócio, diretor ou administrador uma outra empresa sem qualquer ligação com os negócios da primeira, o juiz atribui a essa segunda empresa responsabilidade pelos débitos da primeira apenas porque, fortuitamente, tem entre os seus sócios um dos sócios da empresa que, originariamente, contraíra e não pagara determinada obrigação. Obviamente, essa esdrúxula forma de responsabilização do sócio da empresa devedora não tem qualquer amparo legal, mas os repertórios de jurisprudência estão repletos de julgados achando essa solução normal e justa.
Com a Lei nº 13.467/2017, porém, é possível que se ponha um freio nesse engarrafamento exegético. O §3° do art.XX da CLT, com a nova redação, diz:
“Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.”
Agora, portanto, a mera identidade de sócios — e, claro, de pessoas com algum grau de parentesco — não basta para fazer presumir a existência de grupo econômico. É preciso que a parte a quem a existência do grupo econômico interessa demonstre haver entre as empresas que quer responsabilizar interesse integrado, efetiva comunhão de interesses e atuação conjunta. Ou seja: a partir de agora, aquele que alegar existência de grupo econômico nos casos em que a direção, o controle ou a administração das empresas supostamente integrantes não sejam evidentes, terá de provar que a empresa ou empresas que quer responsabilizar pelas dívidas do devedor direto efetivamente integra(m) a cadeia produtiva da real devedora e atua efetivamente na consecução dos mesmos objetivos sociais. A mera identidade de sócios, ou de parentes do sócio devedor, deixa de ser estigma que automaticamente crie a figura do “grupo econômico por presunção”.
NOTA
[1] Harari, Yuval Noah. Uma breve história da humanidade — “Sapiens”. RS:LPM Editores, 24ª.ed.,2017,p.40.
Referência:
FONSECA, Rafaela Mariana de Souza. O grupo econômico na Lei nº 13.467/2017 Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23n. 532024 jan. 2018. Disponível em: . Acesso em: 25 jan. 2018.

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